Demorou a dormir. Fitava o teto branco compulsivamente. O
vazio daquela cor era tão semelhante ao peito dela... Lutou até que o peso dos olhos cantasse vitória. Ela não
queria adormecer, por medo de sonhar o que a mente precisa parar de lembrar.
Contudo, no inconsciente, uma onça a visitou. A menina então lutara com muita força
contra o bichano para se salvar. Conseguiu. Entretanto, os arranhões eram gritantes.
Quase uma cópia da realidade. Ainda assim, ela não queria acordar, pois sabia
que dormir era um refúgio. Mas o fez, no susto. Tentava pegar no sono de novo
para esquecer. Não obteve resultado.
A cabeça escorada no roupeiro. Meia hora sentada para
acreditar.
Para criar coragem de enfrentar um mundo que já foi tão
colorido e hoje é cinza. Levantou, não havia outra saída. Vestiu qualquer coisa. Até se
arrumar perdeu o sentido. Aqueles riscos de delineador que faziam parte do
olhar dela já não se via mais, trocou pelo leve roxo das olheiras. Sem
perceber, pegou a camiseta que tinha tudo a ver com sua vida. "Vai demorar uns dias a voltar a sorrir", dizia.
Embora agradável para a maioria das pessoas, o clima não
ajudou naquele dia. Ventava e doía no estômago. As arestas do buraco que foi
aberto parecem sangrar ao sentir tudo passando reto. Ela ligou o botão do automático e não sabe quando vai
desligar, nem mesmo se vai recordar o lugar onde ele fica. Andam dizendo
até que ela vai sumir se não voltar a se alimentar direito. Cabeça dura, nem se importa.
Caminhara naquele dia sem sentir o próprio corpo, como se
não fosse dona dele. Conta ela que certa hora tentou uma distração. Ler um
livro seria ótimo, não fosse pelo bilhete de amor que encontrara entre a capa e a primeira página. "Coincidência sacana, hein", espraguejou com as mãos
na cabeça. O choro veio junto de questionamentos e lembranças... As fotos dos
últimos dias felizes ficaram apenas com ela. Últimos, porém tão recentes. Doeu.
Não consegue compreender.
Sabe que será assim por um vasto tempo. Nem por isso a
guria sabe lidar. É torta até o último fio de cabelo. Mete os pés pelas mãos
como se não existisse consequências. Se move quando deve ficar parada e fica
imóvel quando precisa agir. Assim mesmo, toda atravessada. Palavra essa que era motivo
de um riso duplo... Mas nada mais é em dois. Ouviu de alguém que está
"metade" do semestre anterior. Como ele adivinhou? Agora, o saldo é
negativo. Nem uma pessoa inteira.
Ela precisa acostumar a ter uma vida silenciosa de novo. No entanto, o silêncio nunca foi tão torturante. Agressivo. Ela não sabe como. O
nó na garganta não afrouxa, sufoca.
Anestesiou de uma forma que não consegue enxergar direito.
As horas se arrastam. A realidade é uma incógnita.
Ela precisa parar, precisa correr. Precisa pensar, precisa
esquecer.